Quando
falamos em qualidade de vida, imediatamente incluímos em um mesmo “pacote” uma
série de requisitos bem diversos a serem contemplados. Este pensamento se
alinha à definição de saúde atualmente aceita – um estado que não se limita
apenas à ausência de doenças, mas que inclui o bem estar físico, mental e
social. Neste sentido, a fibromialgia constitui-se em um ponto importantíssimo
de reflexão a todos os profissionais de saúde, em função de sua complexidade.
A
fibromialgia (ou fibrosite, como era conhecida no início) é um quadro
caracterizado por dores músculo-esqueléticas difusas e em pontos anatomicamente
bem determinadas. Embora já nomeada em 1904, somente na década de 1970 começou
a se tornar uma entidade nosológica melhor definida, quando começaram as
publicações apontando distúrbios do sono como parte integrante da síndrome, à
qual também se incluiu a fadiga crônica como um de seus sintomas. Conforme os
estudos foram evoluindo e se aprofundando, também foram apontadas outras
condições que podem acompanhá-la, como ansiedade e depressão.
![]() |
| Na fibromialgia, o sofrimento acontece na esfera física, psicológica e também social. |
A
fibromialgia se coloca como um desafio tanto ao diagnóstico quanto ao
tratamento. Primeiro, porque em geral se leva em consideração o pensamento
segundo o qual toda doença necessariamente deriva de uma alteração biológica quantificável
(como é conhecido, a pessoa com fibromialgia não apresenta, por exemplo,
alterações em exames laboratoriais ou anatomopatológicos). Segundo, porque o
caráter crônico das dores de certa maneira obscurece seu valor como critério
diagnóstico; explico: enquanto sinal de alarme, de que algo não vai bem, a dor
serve como um guia precioso que ajuda a definir o que há de errado com aquele
organismo (ilustra isso a clássica pergunta: “onde é que dói?”). Ora,
considerando o caráter difuso e constante das dores sem lesão física que
ocorrem na fibromialgia, e a própria subjetividade que envolve a avaliação de
sua intensidade, torna-se difícil utilizar a dor como parâmetro na hora de
avaliar a queixa. Juntando tudo isso, é fácil cair na armadilha de subestimar o
sofrimento (como se fosse menos intenso do que realmente é), relegando-o a um
caráter secundário ou, pior, de considerar que é “coisa de gente mole”.
O
fato é que, por trás de uma mera classificação ou mensuração das dores, há uma pessoa que sofre com prejuízos em todas
as esferas: física, psicológica e social.
Na
esfera física, a dor crônica torna difícil, quando não impede definitivamente,
a realização de tarefas importantes na vida de qualquer pessoa, tanto em casa
quanto no trabalho. Mais que “só uma dorzinha de nada”, a isso se sobrepõem os
efeitos das noites mal dormidas e, consequentemente, da fadiga. O corpo sofre e
se desgasta progressivamente com isto, levando a um estado geral de falta de
energia e vitalidade. Ora, nossa condição de estarmos vivos e atuantes no mundo
passa primeiro pela dimensão biológica, pelo corpo, e assim podemos dizer que
não é possível atingir um estado de bem estar enquanto há um nível considerável
de sofrimento físico.
Na
esfera psicológica, hoje já são bem conhecidas (seja por meio de estudos ou
porque sentimos na própria pele) as alterações de humor oriundas da privação de
um sono de qualidade. Pesquisas indicam que ocorre uma modificação atípica das
ondas cerebrais durante um dos estágios mais profundos do sono nos portadores de
fibromialgia, e isto teria como consequência um sono superficial e não
reparador, com despertares frequentes mesmo aos menores estímulos. Além de não
recuperar o corpo, a mente também sofre, deixando a pessoa mais suscetível aos
estados de irritabilidade e tristeza, a oscilações emocionais e à cefaléia, com
consequências para a memória e até mesmo para a percepção e codificação das
informações. Outra questão que não deve ser ignorada é o quanto o fato da
fibromialgia não ter cura ou etiologia conhecidas impacta sobre a dimensão
psíquica do indivíduo – podendo gerar sentimentos de desamparo/desesperança,
impotência e vulnerabilidade, sejam eles conscientes ou não.
Na
esfera social, se depara com efeitos que advém da redução da capacidade para o
trabalho e a vida pessoal. Novamente enfocando o caráter essencialmente
subjetivo da dor, muitos ficam reticentes quanto à legitimação deste sofrimento
(e até mesmo no campo acadêmico prossegue o debate sobre o estatuto de doença
atribuído à fibromialgia). De fato, não podemos ignorar que a falta de
informação do grande público sobre o quadro, associado à realidade de que
grande parte das pessoas acometidas por ela ser do sexo feminino, tem
consequências sobre o impacto social causado por ele (e o debate dessas
consequências, considerado o papel social da mulher, embora importante, foge ao
propósito da presente reflexão).
É
importante destacar que a complexidade da fibromialgia aponta na direção de uma
etiologia múltipla, onde se entrelaçam fatores físicos, psíquicos e ambientais.
O tratamento mais indicado, portanto, seria aquele que fosse o mais abrangente
possível em todas essas dimensões, envolvendo o esforço de equipe
multiprofissional, cada um em sua área de atuação. Através da compreensão
empática daquele que procura ajuda e de seu sofrimento, pode-se mais facilmente
aceder ao objetivo maior que é a redução do sofrimento e a promoção de uma vida
com mais qualidade às pessoas que se colocam diante de nós.
A imagem veio daqui.
Wilson Luis Silva
Psicoterapeuta
corporal
Psicólogo
(CRP 06/103.262) graduado pelas Faculdades
de Ciências Humanas, Saúde e Educação de Guarulhos, em formação no curso de
Análise Biodinâmica pelo IBPB – Instituto
Brasileiro de Psicologia Biodinâmica

Nenhum comentário:
Postar um comentário